Ex-atleta comanda empresa ligada ao que ele sabe fazer melhor: cuidar da imagem de ídolos
Nas modernas instalações da 9ine Sports & Entertainment Consultoria Ltda, no elegante bairro de Alto de Pinheiros, em São Paulo, as pessoas habituaram-se à companhia quase diária de Ronaldo Fenômeno. Não há tietagem explícita, Ronaldo circula sem nenhuma marcação e, em vez de zagueiros truculentos, o maior goleador da história das Copas do Mundo de futebol enfrenta os tormentos de uma agenda repleta de reuniões, telefonemas e compromissos comerciais.
“Hoje eu trabalho mais e ganho menos”, sorri o ex-atacante que, nas feições conhecidas pelo mundo inteiro, não esconde um certo alívio de sentir-se em paz com seu corpo, sem as dores fulminantes que marcaram uma carreira de conquistas sem-número e lesões sem piedade.
Ronaldo Luiz Nazário de Lima agora é o CEO (ele gosta do título, basta ouvir mencioná-lo) da empresa de marketing que tem por nome o mitológico número que o acompanhou em 18 anos de carreira no futebol profissional. Com 45% do capital inicial de R$ 5 milhões injetado na abertura da 9ine em 2011, Ronaldo tem como sócios o maior grupo de comunicações do mundo, o WPP (também com 45% das ações) e o empresário Marcos Buaiz, muito ligado ao mundo da música e, atualmente, com 10% de participação, afastado do dia a dia da agência.
A decisão de parar de jogar futebol antes dos 35 anos não foi uma escolha, mas uma imposição de seu corpo dolorido. Já a opção de fundar uma agência destinada a planejar a imagem de seus contratados e captar recursos de publicidade de empresas interessadas em explorar essas imagens foi uma espécie de caminho natural.
Ronaldo, é claro, poderia ter optado por uma aposentadoria precoce, para curtir os filhos, os imóveis que possui no Rio, em Madri, em Paris e a ilha que comprou em Angra dos Reis.
Sua fortuna, nunca publicamente declarada (“Pelo amor de Deus, não me pergunte isso… Eu tenho duas pensões para pagar”, responde com seu humor franco e contagioso), atinge, segundo estimativas mais ou menos levianas, algo entre R$ 600 milhões e R$ 1 bilhão. Mas enfiar um centroavante de seu quilate em um pijama de aposentado é condená-lo à morte. Sobretudo porque, depois de fazer gols, a arte que Ronaldo domina melhor é a de moldar imagens.
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No futebol de campo, foi ainda melhor. Com a imagem de bom moço amplificada pelo tom humilde de suas entrevistas, não teve a menor dificuldade em tornar-se ídolo de torcedores dos sete times em que jogou (pela ordem: Cruzeiro, PSV, Barcelona, Internazionale, Milan, Real Madrid e Corinthians). Mais que isso: ao derrotar, com esforço extremo, duas lesões nos ligamentos cruzados do joelho – depois de ter sido considerado imprestável para o futebol –, Ronaldo ganhou o respeito do mundo inteiro, inclusive dos admiradores de equipes rivais.
Há, contudo, passagens que poderiam ter deslustrado a ótima imagem de R9. O tumultuado e curto casamento com a modelo Daniella Cicarelli foi um deles. A nunca suficientemente esclarecida convulsão que fez o Brasil jogar apático e assustado a final da Copa de 1998 na França é outro. O estranho corte de cabelo à la Cascão (um topete frontal na cabeça raspada) exibido na Copa da Ásia, em 2002, é mais um. E ainda outros episódios pelos quais poucas pessoas no mundo, incluindo o papa e o Dalai Lama, passariam ilesos. Fenomenalmente, como muitos de seus gols em jogos decisivos, Ronaldo soube blindar-se das consequências de cada um desses eventos.
Os noticiários, até os mais explosivos, declinaram rapidamente. E como em um passe de mágica, voltou a luzir sua aura de ídolo, sem prejuízo algum para os patrocinadores que continuaram – e continuam o apoiando.
Sentado em frente à equipe de FORBES Brasil, na relativamente acanhada sala de reuniões da 9ine, o CEO novato expõe seu carisma com uma mistura de bom humor e simplicidade. Ele usa jeans e camiseta sem marca, o traje que prefere para trabalhar. Diz-se infenso às grifes, o que soa paradoxal para um grande vendedor de marcas. Mas não foge das perguntas, não mostra enfado e não fica consultando o relógio, apesar de o tempo “oficial” estabelecido por sua assessoria de imprensa para a entrevista (20 minutos) já estar estourado em quase uma hora.
É de se presumir que Ronaldo tenha gasto pelo menos um ano inteiro de sua vida respondendo a jornalistas de todo mundo, antes e depois das partidas, em eventos das marcas que representa e nas cerimônias oficiais das quais participa. Como agora em que é membro do COL – O Comitê Organizador Local – da Copa do Mundo de 2014 e é assíduo nos eventos com a presença da Fifa no Brasil.

Como empresário, Ronaldo mostra-se igualmente satisfeito com os resultados de sua empresa. “Vamos faturar o dobro do que no ano passado”, festeja, ainda que não abra os números de nenhuma das duas temporadas. Há uma pista, porém. O publicitário Sérgio Amado, presidente do grupo Ogilvy no Brasil e porta-voz da WPP na sociedade, afirmou, recentemente, que a expectativa da WPP é a de que, até o final de 2014, a 9ine esteja faturando algo em torno de 50 milhões de reais.
Embora não revele os números, o CEO Ronaldo Nazário não parece assustado com as metas aguardadas por seus sócios. Há, porém, uma clara diferença entre a missão inicial da 9ine e seu comportamento empresarial em seu segundo ano de funcionamento. O projeto de trabalhar “exclusivamente” a imagem de seus agenciados e remunerar-se dos contratos publicitários deles advindos está sendo mais difícil do que Ronaldo supunha.
Com dez agenciados que são grandes destaques em suas áreas, a 9ine consegue apenas 30% de seus rendimentos. Os outros 70% são oriundos de uma missão a princípio secundária: a empresa tem se revelado uma ótima agência de propaganda com clientes como Extra, Marfinite, Duracell e GlaxoSmithKline.
“Tem sido mais difícil do que eu pensava – admite o ex-craque –, referindo-se ao rendimento da imagem de seus representados. Há, quase sempre, muitos conflitos a resolver e, enquanto a situação não fica clara, é difícil ganhar dinheiro.”
Como exemplo, Ronaldo cita o cartão de visitas de sua empresa, que é Neymar Jr., já considerado o melhor jogador de futebol do país e uma das maiores promessas internacionais. Pois bem: quando fechou com o jovem santista, Neymar já tinha grande parte de sua imagem fatiada por investidores mais antigos. O Santos, por exemplo, é beneficiário de parte dos rendimentos da ampla exposição publicitária do jovem craque. E o próprio time onde Pelé jogou vendeu quase todas essas cotas de patrocínio – até para poder viabilizar a permanência de Neymar Jr. no futebol brasileiro. O pai do jogador e o empresário que cuida de seus contratos esportivos são outras partes envolvidas. Eis por que fica difícil para Ronaldo, ainda que emérito driblador, conciliar seus interesses com os dos demais.

Nem todas as histórias, contudo, têm caminhado com turbulências. O exemplo do que a 9ine gostaria de fazer com todos os seus agenciados é o lutador de MMA Anderson Silva. “Ele já era um campeão do mundo, mas o Brasil não sabia de sua existência. Foi quando nós o contratamos e cuidamos de sua imagem. Anderson é um cara carismático e uma figura dócil, embora vencedor em um esporte muito violento. Trabalhamos esses pontos, conseguimos diversas empresas interessadas em seu potencial e hoje ele é o nosso grande case de sucesso”, rejubila-se o artilheiro-empresário.
É da experiência que resulta o sucesso e, após ter batido cabeça em algumas situações complicadas, Ronaldo parece ter compreendido que celebridades precoces já vêm com um séquito de gente envolvida em seu redor. Também não parece ser uma boa ideia, do ponto de vista de risco, apostar em promessas futuras. Entende-se, assim, a atual diversificação do plantel de representados da 9ine, que inclui o surfista Danilo Couto, o skatista Pedro Barros e até o jogador de pôquer profissional André Akkari.
“ O pôquer foi chancelado como um esporte pelo Ministério dos Esportes do Brasil ”– justifica-se Ronaldo, aproveitando para informar que Akkari é tido como o papa da modalidade que mais adeptos ganha em todo o planeta. Questionado sobre uma possível ampliação de sua carteira de agenciados, R9 não hesita em afirmar que quer crescer muito, mas “devagar, de uma maneira responsável e sustentável”. O que pode até soar como um discurso chavão, aos que não olharem atentamente para a ainda curta e intensa biografia do jogador. Assim como foi um craque prodigioso, Ronaldo revelou, desde cedo, um instinto peculiar para lidar com o dinheiro que lhe apareceu em enormes ondas e a responsabilidade que cuidar desse patrimônio demandava. Ao invés de esbanjar, como viu muitos de seus colegas fazendo, resolveu se entregar aos melhores profissionais do ramo.
Ele tinha menos de 20 anos e um contrato milionário com o Barcelona quando decidiu procurar a ajuda da Garrigues, uma das maiores empresas de advocacia e assessoria tributária em todo o mundo. Em um tempo em que a maior parte dos jovens craques comprava Ferraris (coisa que ele também fez mais tarde e pela qual hoje perdeu o interesse), Ronaldo entregou o destino de seu dinheiro a três advogados que seguem ao seu lado até hoje. Diego (cujo segundo nome ele não se lembra) é o responsável por encaminhar, da melhor maneira possível, as suas questões tributárias; Julio Senm é seu conselheiro para investimentos e assuntos de economia; e Javier Ferrero encarrega-se de suas transações comerciais.
Hoje, Ronaldo reúne-se com o trio cerca de duas vezes por ano. Os guardiões de sua fortuna apresentam, a pedido do jogador, três ou quatro cenários para decisões concernentes ao período seguinte. E Ronaldo, hoje afeito como qualquer CEO a tudo o que ocorre na economia mundial, toma suas decisões.
“Sempre fui um cara conservador com meus negócios!” – anuncia, para surpresa da equipe de FORBES Brasil, que o viu criando jogadas muito arrojadas e nada convencionais dentro das quatro linhas. “É da minha natureza”, continua. “Não acredito em dinheiro fácil ou negócios da China. Se o mercado está pagando seis, eu fico com quatro. Se estiver pagando oito, eu fico com seis.”
Questionado sobre os melhores e os piores negócios que já realizou, o Fenômeno respondeu com simplicidade: “O mais rentável negócio que eu já fiz foram gols. O resto veio deles”. Por resto entenda-se cerca de 60% do patrimônio acumulado em sua vida de atleta. Enquanto os contratos milionários com times de futebol e as premiações esportivas renderam-lhe apenas 40% de sua fortuna, foi da exploração de sua imagem que se originou a maior parte.
Seus fiéis patrocinadores, mais até do que suas mulheres (Suzana Werner, com quem viveu por um tempo; Milene Domingues, com quem se casou em 1999 e teve o primogênito Ronald; Daniela Cicarelli, com quem também se casou, resultando em um dos matrimônios mais curtos da história; Michelle Umezu, uma brasileira com quem se relacionou durante uma viagem do Real Madrid para o Japão e que lhe deu o filho Alex; e Bia Anthony, que lhe deu as filhas Maria Sophia e Maria Alice), acompanharam-no na alegria e na tristeza. Dois deles, a Nike e a Ambev (Brahma), estão ao seu lado desde 1993, quando Ronaldo tinha 17 anos. Ambos seguem com ele até hoje, sendo que o contrato com a Nike é vitalício! Outros quatro sponsors continuam investindo em R9 depois da aposentadoria: a operadora Claro, os hipermercados Extra, as baterias Duracell (da Procter & Gamble) e a Hypermarcas. O rendimento proporcionado por esses patrocinadores para Ronaldo Nazário, pessoa física, é da ordem de R$ 30 milhões por ano.
Fica claro, com o andar da conversa, que Ronaldo preza ligações duradouras. Além de seus consultores e de seus patrocinadores, o velho centroavante informa que não faz campanhas. Isso significa que não aceita ser contratado para lançar um produto ou um empreendimento e depois se afastar. Ronaldo quer contratos de, no mínimo, dois a três anos de duração, “para poder me envolver mais e melhor com a marca”. Não restam dúvidas, porém, de que existe um motivo mais forte para que ele não aceite participações fugazes em projetos publicitários. O carismático CEO sabe, perfeitamente, que ao ligar o seu nome ao de uma marca, o efeito para a marca será muito mais duradouro do que o tamanho e o valor do contrato.
A participação de Ronaldo em alguns projetos traz efeitos secundários mais do que desejados. Admirado por seu bom senso, o profissional – que só lamenta não ter um diploma de curso superior – fez, por exemplo, muito mais do que gols importantes no último clube que defendeu. Ao desembarcar no Corinthians e descobrir a estrutura precária de seu centro de treinamentos – em comparação às sofisticadas áreas de treinamento dos clubes europeus, Ronaldo não hesitou em pedir aos dirigentes corintianos a urgente construção de uma área adequada ao segundo time mais popular do país. E assim foi feito. Especula-se, também, que a ótima relação de Ronaldo com a CBF ajudou muito o Corinthians a “ganhar” um estádio no bairro de Itaquera, em São Paulo, que, além do mais, será a sede da abertura da Copa do Mundo.
O fato é que, além de rico, inteligente e carismático, o CEO de 36 anos é poderoso. Assim como sabia exatamente para que lado o goleiro iria saltar na hora de chutar, Ronaldo guarda para si um futuro projeto de poder político, sobretudo na área esportiva.
“Não estou fora”, responde, convicto, quando questionado sobre o tema. “Hoje já ocupo um cargo que me mantém com excelentes relacionamentos na CBF e na Fifa.”
Seu entusiasmo pela profissionalização do futebol (“os clubes estão percebendo que, sem uma gestão séria, não vão sobreviver”) pode ser um primeiro esboço de um Ronaldo-cartola em formação. Bola para continuar dando certo, isso nunca lhe faltou.
FONTE: FORBES BRASIL
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